Relato de viagem visitando projetos socioambientais na América Latina, com foco em ecossistemas de montanha e percepção dos moradores sobre a crise do clima. O percurso inclui o planejamento, outras viagens, estradas de asfalto, de terra, trilhas, sonhos, pensamentos e caminhos do coração. / Relato de viaje visitando proyectos socioambientais en América Latina, con mirada en los ecosistemas de montaña y la percepción de la gente sobre la crisis del clima. Incluye el planeamiento, otros viajes…

sexta-feira, 1 de maio de 2009

11. 1980, Brasil-Chile-Brasil

1980 foi o ano do Chile. Deixei a casinha na Rural para morar com meus pais em Santiago, continuando lá o curso de Engenharia Florestal. Fomos de carro, uma Variant II lotada, inclusive com a inseparável bicicleta. Dirigi a maior parte do tempo, me deleitando com as linhas da estrada e as cores do céu nas longas tardes de verão. Era final de fevereiro e o calor no semi deserto argentino dava vontade de arrancar o teto do carro, apesar do vento quente. Mais uma vez atravessei a fronteira nevada e chegamos ao Chile após 5 dias de viagem, incluindo um dia de descanso com simpáticos parentes em Ijuí, não muito longe da fronteira argentina.

Apesar dos muitos novos e bons amigos chilenos não fiz longas viagens a não ser nos treinos de ciclismo, ao qual me dediquei intensamente. Alternava preparação física no traumático e famoso Estádio Nacional com pedaladas pelas estradas da pré-cordilheira. Aliás, a maior viagem foi justamente acompanhando a Volta do Chile como motociclista de apoio da equipe brasileira da Caloi. Desanimado com a faculdade intensamente voltada para a produção econômica de madeira, aproveitei o segundo semestre para me formar em monitoria teatral no excelente curso do teatro La Casa, onde compreendi, com o coração, o terrível significado de viver numa ditadura militar. Comecei a desconfiar de certos alimentos, experimentando opções que reduzissem o consumo de carne.



O retorno ao Brasil foi emocionante. Decidi voltar ao final do ano, incentivado pela triste permanência de Pinochet na presidência, confirmada em plebiscito. Também o mercado aberto (muito aberto) fazia do país o paraíso do consumo, com shoppings e importados por toda parte. Pedalando me refugiava, reencontrando minha natureza, mas a cada dia estava mais envolvido pela banalidade urbano-consumista que mantinha a classe média chilena saciada e bem comportada. Ao mesmo tempo, imaginava o Brasil em pleno processo de abertura política, com novos ares, possibilidades, praias, sol e a natureza verdejante maravilhosa da Serrinha. Despedi de pessoas muito queridas e voltei, decidido a não perder a alma em qualquer esquina dos espelhados e luxuosos shoppings de Santiago.

O pequeno avião da FAB decolou devagar, iniciando três dias de viagem. Eu precisava muito desse retorno lento, em escalas, para organizar a mente e o coração. Era um dos vôos regulares do Correio Aéreo Nacional, que transportava encomendas e documentos oficiais. Um funcionário consular de terno e pasta preta dormia o tempo todo, compondo um personagem digno para inspirar um bom livro de espionagem. Sobrevoamos baixo a imensa Cordilheira dos Andes, apreciando detalhes de seus picos, neves, pedras e lagos. Na segunda noite, em Porto Alegre, um muro pichado revelava um novo país. Meu país.

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