Relato de viagem visitando projetos socioambientais na América Latina, com foco em ecossistemas de montanha e percepção dos moradores sobre a crise do clima. O percurso inclui o planejamento, outras viagens, estradas de asfalto, de terra, trilhas, sonhos, pensamentos e caminhos do coração. / Relato de viaje visitando proyectos socioambientais en América Latina, con mirada en los ecosistemas de montaña y la percepción de la gente sobre la crisis del clima. Incluye el planeamiento, otros viajes…

quarta-feira, 27 de maio de 2009

13. Rock no deserto mexicano

Participar da Semana Latino Americana, em Tucson, EUA, foi a grande notícia do ano de 1998. Num almoço casual com um professor da Universidade do Arizona, na casa de meus pais, no Rio, fui convidado para o evento, que aconteceria no início do ano seguinte. Animado em poder chegar ao hemisfério norte, providenciei passaporte, visto e logo me vi desembarcando em Los Angeles, numa fria e ensolarada manhã. Ansioso para pisar no solo ícone americano e respirar ar de verdade, saí uns minutos do aeroporto. Respirei, pisei e logo segui na conexão para Tucson, Arizona. O avião lotado era o retrato daquele povo, quase todos de chapéu e pinta de cowboy...

Fui muito bem recebido pelo anfitrião, que ainda no aeroporto me apresentou, chegando do Uruguai, uma das participantes do evento, de quem me tornei especialmente amigo ao longo da semana. No mínimo, afinidade à primeira vista. O seminário reuniu cinco profissionais latino americanos para uma serie de debates sobre cultura e meio ambiente com alunos e professores. Falei sobre a Floresta Atlântica, totalmente desconhecida por lá. Após o evento aluguei um carro para percorrer a região, começando por sair dos EUA e entrar no México, rumo à Reserva da Biosfera El Pinacate, onde tinha hospedagem.


Acostumei rápido com o cambio automático e o self service nas bombas de gasolina. Estava independente depois de uma semana sempre em grupo, com a saborosa sensação de que a viagem ia ser mais intensa a partir daquele momento. A primeira etapa foi rumo sul, direto para a tranqüila fronteira de entrada no México. Atravessando a divisa logo senti uma triste familiaridade ao contemplar, tão perto dos EUA, o ambiente pobre, sujo, desorganizado e falante – parecido com o Brasil. Lógico, nem um pouco ao acaso a pobreza é vizinha da opulencia.

A reserva estava no meio do deserto do Arizona (transfronteiriço), num calor terrível de dia e bastante frio à noite, com o céu mais estrelado que já vi. No cenário, cactos gigantes, arbustos e areia. À noite caminhava até ver as casas da estrutura administrativa como pequenas janelas iluminadas, entre o céu e a terra. No imaginário, um puma espreita e contempla. Após alguns dias acompanhando as rondas dos guarda parques, me despedi e prossegui viagem, rumo ao oeste, como antigamente. Antes tentei combinar um encontro com minha nova amiga. Queríamos seguir juntos naquela viagem. Após vários telefonemas para Tucson... nos desencontramos, traídos por uma secretária eletrônica...


Segui uma longa reta pela rodovia mexicana em direção a San Diego, Califórnia. Relevo perfeito para um bom filme, com penhascos rochosos, vento, areia, luzes e sombras. Era uma região deserta de gente também. O rádio permanecia ligado, na busca automática por alguma estação. Após horas de estrada, silêncio, liberdade, alegria, tristeza e coração apertado, subitamente sou invadido pelas inconfundíveis guitarras do rock clássico, em ritmo perfeito para acompanhar a paisagem e o retorno aos EUA. A estação California Classic Rock me acompanharia pelos próximos dias e muitos quilômetros, fundindo horizontes, sons e pensamentos. Após uma longa e demorada fila, passei pela rigorosa revista de fronteira (fácil sair, difícil entrar...). Os policiais beiravam a má educação, mas mudaram de comportamento e até passaram a falar espanhol, quando finalmente me viram como pessoa de bem.

Dormi em algum lugar e segui no dia seguinte para Encinitas, onde havia reservado um apartamento no alojamento da Self Realization Fellowship, junto ao eremitério onde viveu Paramahansa Yogananda. A cidade é cheia de surfistas, praias de pedras e penhascos de onde se vê o por do sol no Pacífico. Após o desencontro com minha nova amiga, tudo o que eu precisava era daquele acolhimento profundo, desfrutar a cidadezinha, caminhar pelos mágicos jardins e meditar. Para maior deleite, aluguei uma ótima bicicleta de competição e percorri a orla por toda uma tarde, cheia de sol e vento frio.

Mas não dava pra ficar parado muito tempo. Mais um dia e peguei estrada. Num percurso de cinco horas cortei Los Angeles por cima de autopistas gigantes até Santa Mônica, onde esta o santuário de Lake Shrine. Fim de tarde, encontrei o portão fechado. Implorei ao porteiro, que me deixou entrar para uma rápida e muito profunda visita na beleza daquele jardim, onde compreendi um pouco mais a unidade das religiões e o incrível poder do Yogananda.


O trajeto prosseguiu na rota espiritual. Atravessei as montanhas e passei três dias no retiro de Escondido, onde participava das meditações de grupo, além de meditar na minúscula capela dedicada a São Francisco, encravada num pequeno jardim em meio às montanhas da Califórnia, entre pinheiros e pedras. Longe do mar mergulhei em imenso oceano de paz.

Um comentário:

  1. Que viagem linda Luis...

    A gente lê e se sente mergulhando nos cenários com vc. Me tocou especialmente a sua rota espiritual, recepcionada pelo amado guru Paramahansa Yogananda..."longe do mar mergulhei em um imenso oceano de paz".

    Que o amor Dele continue banhando sua alma!

    Namastê

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