Relato de viagem visitando projetos socioambientais na América Latina, com foco em ecossistemas de montanha e percepção dos moradores sobre a crise do clima. O percurso inclui o planejamento, outras viagens, estradas de asfalto, de terra, trilhas, sonhos, pensamentos e caminhos do coração. / Relato de viaje visitando proyectos socioambientais en América Latina, con mirada en los ecosistemas de montaña y la percepción de la gente sobre la crisis del clima. Incluye el planeamiento, otros viajes…

terça-feira, 14 de abril de 2009

6. Pantanal

O Pantanal é quase a antítese da montanha. Plano, encharcado e quente, revela uma natureza exibicionista, que contorna em curvas suaves os muitos lagos e rios, alternando matas e campos. Nas áreas abertas pastam grandes rebanhos em coexistência com animais nativos como jaburu, garças, porcos do mato, veados. Ao por do sol o céu fica lotado de pássaros de todas as formas e cores, buscando seus ninhos. Os jacarés olham o paraíso com fingida indiferença e somem em segundos num repuxo de água.


Pelo menos assim foi o Pantanal que encontrei no verão de 82. A vinda de uma querida amiga chilena propiciou a viagem iniciada em São Paulo, no trem para Corumbá. Partimos em quatro, dois casais de amigos. Nosso destino era a fazenda de uma tia do amigo que estava no grupo. Passamos vários dias em Corumbá aguardando o caminhão que nos buscaria. Lá esperamos hospedados na mais perfeita espelunca, uma casa velha transformada em hotel, cheia de trincas e pulgas. Esgotadas as opções de turismo na cidade, o calor, a coceira e a umidade acabaram por nos lançar na estrada, decididos a ganhar terreno e encontrar o tal caminhão mais adiante. No ponto combinado esperamos acampados num pequeníssimo povoado na beira de um rio, onde nos fartamos de pintados e outros peixes. Deixei de ser vegetariano por um tempo, decidido a não morrer de fome. Após alguns dias comendo peixe e driblando mosquitos partimos na boleia do caminhão.

A chegada na fazenda foi comovente. Os empregados nos receberam como enviados, mataram um boi e prepararam a enorme casa vazia. Os dias passavam lentamente na rotina daquele mundo fora do mundo. Acompanhamos os peões no trabalho com o gado, tomando tererê com as águas cristalinas dos brejos, assistimos ao manejo dos porcos do mato, os catetos, que eram castrados a frio, em minutos, e deixados no bando selvagem para engorda e posterior caça. Comíamos carne em três refeições, às vezes com farofa e arroz também. Nenhuma verdura. Por sorte as laranjeiras carregadas nos saciavam na sombra boa parte do tempo. De tarde, ao refrescar, eu saía para correr nas praias, desviando de eventuais jacarés. Ou boiava numa pequena canoa cercado de pássaros e cores do por do sol. Às vezes chovia dias seguidos e minha amiga praticava uns belíssimos exercícios de dança que eu apreciava com finjida indiferença. Em certo momento todos do grupo andávamos cada um para um lado, noutro estávamos sempre perto. Vivenciamos bem a rotina do isolamento. Nada de luz, televisão...

Nosso retorno foi adiado várias vezes, esperando as estradas se recuperarem das chuvas. Minha amiga acabou perdendo o sonhado carnaval carioca, mas cedeu aos meus argumentos de que nunca, ninguém, em tempo algum, veio ao Brasil para passar o carnaval e ficou ilhado numa remota fazenda, cercada de beleza e lonjura...


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