Apesar dos muitos novos e bons amigos chilenos não fiz longas viagens a não ser nos treinos de ciclismo, ao qual me dediquei intensamente. Alternava preparação física no traumático e famoso Estádio Nacional com pedaladas pelas estradas da pré-cordilheira. Aliás, a maior viagem foi justamente acompanhando a Volta do Chile como motociclista de apoio da equipe brasileira da Caloi. Desanimado com a faculdade intensamente voltada para a produção econômica de madeira, aproveitei o segundo semestre para me formar em monitoria teatral no excelente curso do teatro La Casa, onde compreendi, com o coração, o terrível significado de viver numa ditadura militar. Comecei a desconfiar de certos alimentos, experimentando opções que reduzissem o consumo de carne.
O retorno ao Brasil foi emocionante. Decidi voltar ao final do ano, incentivado pela triste permanência de Pinochet na presidência, confirmada em plebiscito. Também o mercado aberto (muito aberto) fazia do país o paraíso do consumo, com shoppings e importados por toda parte. Pedalando me refugiava, reencontrando minha natureza, mas a cada dia estava mais envolvido pela banalidade urbano-consumista que mantinha a classe média chilena saciada e bem comportada. Ao mesmo tempo, imaginava o Brasil em pleno processo de abertura política, com novos ares, possibilidades, praias, sol e a natureza verdejante maravilhosa da Serrinha. Despedi de pessoas muito queridas e voltei, decidido a não perder a alma em qualquer esquina dos espelhados e luxuosos shoppings de Santiago.
O pequeno avião da FAB decolou devagar, iniciando três dias de viagem. Eu precisava muito desse retorno lento, em escalas, para organizar a mente e o coração. Era um dos vôos regulares do Correio Aéreo Nacional, que transportava encomendas e documentos oficiais. Um funcionário consular de terno e pasta preta dormia o tempo todo, compondo um personagem digno para inspirar um bom livro de espionagem. Sobrevoamos baixo a imensa Cordilheira dos Andes, apreciando detalhes de seus picos, neves, pedras e lagos. Na segunda noite, em Porto Alegre, um muro pichado revelava um novo país. Meu país.

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