Relato de viagem visitando projetos socioambientais na América Latina, com foco em ecossistemas de montanha e percepção dos moradores sobre a crise do clima. O percurso inclui o planejamento, outras viagens, estradas de asfalto, de terra, trilhas, sonhos, pensamentos e caminhos do coração. / Relato de viaje visitando proyectos socioambientais en América Latina, con mirada en los ecosistemas de montaña y la percepción de la gente sobre la crisis del clima. Incluye el planeamiento, otros viajes…

sexta-feira, 24 de abril de 2009

9. Toque 2: O cálice do infinito

É pequena a ponte entre a plenitude do universo e o coração de cada um. Porque a verdadeira essência do infinito não é medida no espaço e sim no sentir. O infinito é um sentimento que transborda sem parar no cálice da alma.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

8. De mala e cuia

Finalmente em julho de 83, com 23 anos, fiz a viagem decisiva, deixando Copacabana e me mudando para a Serrinha. Foi quase uma epopéia, com todos os testes de conviccção que a empreitada merecia. O apiário já estava instalado e eu me sentindo pronto para uma vida nova, tendo a apicultura e o sítio da família como lastros de sobrevivência. O ano de trabalho na Coonatura foi fundamental na decisão. Adeus minha cidade, pode me chamar de refugiado ambiental. Chega de calor, engarrafamento, barulho, multidão, indiferença.

Amigos me acompanharam na mudança. Saímos à tarde, eu de moto (uma pequena, pesada e simpática Harley Davidson 125) e eles de carro, uma Variant. Paramos no Belvedere, no início da serra, para abastecer. Eles prosseguiram animados e eu... Senti a moto enfraquecer e parar ali mesmo. Consegui carona até a Seropédica, onde tinha mecânicos conhecidos dos tempos da Universidade Rural. Rebocamos a moto, que lá ficou para retificar o motor. Já de noite, retornei ao posto e pedi carona, decidido a chegar e completar a mudança, mesmo que fosse a pé.

Horas depois, quase madrugada, estava na entrada de Penedo. Dali caminhei cerca de 12 quilômetros até a casa onde me esperavam, aflitos (não havia telefone, muito menos celular). Cheguei embalado nas cores e sons do amanhecer, cansado, mas feliz por ter chegado apesar dos imprevistos. Fingia não saber, mas sabia que a vida mal estava começando e os maiores desafios logo viriam.

7. Toque

“De fato a paixão é uma força que agarra por dentro. Agarra por dentro. A vida me agarrou por dentro e agora sei a diferença entre estar vivo e viver. Estou engajado em viver.” (1998)

terça-feira, 14 de abril de 2009

6. Pantanal

O Pantanal é quase a antítese da montanha. Plano, encharcado e quente, revela uma natureza exibicionista, que contorna em curvas suaves os muitos lagos e rios, alternando matas e campos. Nas áreas abertas pastam grandes rebanhos em coexistência com animais nativos como jaburu, garças, porcos do mato, veados. Ao por do sol o céu fica lotado de pássaros de todas as formas e cores, buscando seus ninhos. Os jacarés olham o paraíso com fingida indiferença e somem em segundos num repuxo de água.


Pelo menos assim foi o Pantanal que encontrei no verão de 82. A vinda de uma querida amiga chilena propiciou a viagem iniciada em São Paulo, no trem para Corumbá. Partimos em quatro, dois casais de amigos. Nosso destino era a fazenda de uma tia do amigo que estava no grupo. Passamos vários dias em Corumbá aguardando o caminhão que nos buscaria. Lá esperamos hospedados na mais perfeita espelunca, uma casa velha transformada em hotel, cheia de trincas e pulgas. Esgotadas as opções de turismo na cidade, o calor, a coceira e a umidade acabaram por nos lançar na estrada, decididos a ganhar terreno e encontrar o tal caminhão mais adiante. No ponto combinado esperamos acampados num pequeníssimo povoado na beira de um rio, onde nos fartamos de pintados e outros peixes. Deixei de ser vegetariano por um tempo, decidido a não morrer de fome. Após alguns dias comendo peixe e driblando mosquitos partimos na boleia do caminhão.

A chegada na fazenda foi comovente. Os empregados nos receberam como enviados, mataram um boi e prepararam a enorme casa vazia. Os dias passavam lentamente na rotina daquele mundo fora do mundo. Acompanhamos os peões no trabalho com o gado, tomando tererê com as águas cristalinas dos brejos, assistimos ao manejo dos porcos do mato, os catetos, que eram castrados a frio, em minutos, e deixados no bando selvagem para engorda e posterior caça. Comíamos carne em três refeições, às vezes com farofa e arroz também. Nenhuma verdura. Por sorte as laranjeiras carregadas nos saciavam na sombra boa parte do tempo. De tarde, ao refrescar, eu saía para correr nas praias, desviando de eventuais jacarés. Ou boiava numa pequena canoa cercado de pássaros e cores do por do sol. Às vezes chovia dias seguidos e minha amiga praticava uns belíssimos exercícios de dança que eu apreciava com finjida indiferença. Em certo momento todos do grupo andávamos cada um para um lado, noutro estávamos sempre perto. Vivenciamos bem a rotina do isolamento. Nada de luz, televisão...

Nosso retorno foi adiado várias vezes, esperando as estradas se recuperarem das chuvas. Minha amiga acabou perdendo o sonhado carnaval carioca, mas cedeu aos meus argumentos de que nunca, ninguém, em tempo algum, veio ao Brasil para passar o carnaval e ficou ilhado numa remota fazenda, cercada de beleza e lonjura...


domingo, 12 de abril de 2009

5. Adeus Sete Quedas


Julho de 1982. (Este blog não é cronológico. Avança e volta no tempo conforme o vento e a memória.)

A notícia da inundação do Parque Nacional de Sete Quedas veio como bomba. O fechamento das comportas da represa de Itaipú deixaria inteiramente por debaixo d'água, por uns poucos metros, as sete grandes quedas do Rio Paraná e a floresta circundante. Nem mesmo o status de Parque Nacional poderia impedir o massacre. O clima de restauração da liberdade, em pleno governo do General Figueiredo permitiria o protesto, mas jamais possibilitaria mudar a história. Numa tentativa de compensação do estrago, o mesmo presidente decretou a ampliação do Parque Nacional do Itatiaia, que passou de 15 para 30 mil hectares, em áreas até hoje não indenizadas. Impagáveis, as sete quedas silenciariam mas nós não podíamos calar. Na época eu trabalhava na Coonatura, no Rio, em contato com muita gente que praticava ecologia de forma integral. Alugamos (e lotamos) uma kombi e pegamos a estrada para nos juntar aos milhares que foram se despedir das cachoeiras, pouco antes da proibição do acesso de brasileiros ao ex-parque por decreto-lei, publicado no dia 29 de setembro. Fomos numa pernada, pelas rodovias Dutra e Castelo Branco, parando para dormir dentro do carro por algumas horas e chegando no dia seguinte. Lá acampamos e nos juntamos com gente de todo o sul e sudeste do Brasil, em vários dias de eventos, palestras, dinâmicas, danças. Em algum momento lembro de ter ido ao microfone dizer que nossos filhos voltariam para assistir o ressurgimento das quedas, quando Itaipu, assoreada, fosse desativada. Um índio morador da região de despediu das cachoeiras, ricas em sons, vozes e conselhos. Encontros especiais agitaram os corações. Voltamos cansados, alegres, derrotados e vitoriosos.













Adeus a Sete Quedas

Sete quedas por mim passaram,
e todas sete se esvaíram.
Cessa o estrondo das cachoeiras, e com ele
a memória dos índios, pulverizada,
já não desperta o mínimo arrepio.
(...)
Sete quedas por nós passaram,
e não soubemos, ah, não soubemos amá-las,
e todas sete foram mortas,
e todas sete somem no ar,
sete fantasmas, sete crimes
dos vivos golpeando a vida que nunca mais renascerá.

(Drummond: 100 anos Carlos Machado, 2002
Carlos Drummond de Andrade In Jornal do Brasil, Caderno B09/09/1982© Graña Drummond)

quinta-feira, 9 de abril de 2009

4. Colar Pataxó

Hoje saí cedo para caminhar na mata. Ao regressar me vi sem o colar pataxó que comprei de uma índia no ano passado, na Conferência Nacional do Meio Ambiente, e que recomecei a usar recentemente. Ela me disse que o colar protegia de energias negativas e que se romperia ao estar muito carregado (na época comprei três...). Quando acontecesse, deveria ser deixado na floresta. E lá ficou. Parece um bom sinal, ainda mais junto com muitas transformações: A viagem se estruturando, a editoria ambiental na Folha Fluminense, o conselho gestor de Mauá se consolidando, novos projetos em construção e o nascimento de um novo olhar sobre a vida.

terça-feira, 7 de abril de 2009

3. Nuvens de Cordilheira

Em julho de 1979 entrei no ônibus da Pluma do Rio a Santiago, para conhecer por duas semanas o país onde poderia ir morar no ano seguinte. Aí comecei a ter noção da continuidade territorial que une os paises da América Latina. No terceiro dia, após 24 horas na imensa planície semi-árida da Argentina, vejo o horizonte se carregar de nuvens. Uma onda branca cada vez maior domina o horizonte e cresce. Cresce e se revela na imensidão da Cordilheira dos Andes nevada. Após atravessar a linda cidade de Mendoza avançamos pela estrada que leva ao Chile. A cada curva novos picos se destacam contra o azul cristalino do céu de altitude. Na fronteira, a 4 mil metros, tudo branco e gelado ao redor. Meus pais me receberam na rodoviária de Santiago e pouco depois estava no apartamento onde moravam, onde fui batizado com um banho de água congelante... Afinal, o gás sempre acaba com alguém no chuveiro. Bem vindo a Santiago, Chile.

domingo, 5 de abril de 2009

2. As portas da América Latina

Viajar sempre fez parte da minha vida. Quando criança, década de 60, o percurso Rio-Serrinha, em Resende, parecia uma eternidade. De fato demorava mais do que hoje. Os carros eram fuscas e não existiam os elevados para sair do Rio. Eram dezenas de sinais vermelhos... A família era viajante. Meu pai aproveitava reuniões de trabalho e levava todo mundo. Lembro de irmos a Assunção, Paraguai, em 1970. Quase morri intoxicado por repelente de mosquitos que ingeri roendo as unhas... Vimos Sete Quedas, ainda intactas, sem Itaipu. Em 1972 fomos à São Luiz do Maranhão, atravessando umas retas intermináveis no Piauí. Na volta, fevereiro, com 5 no carro, o calor era terrível... mas sobrevivemos. No mesmo ano, em julho, conhecemos as cidade históricas de Minas. Na volta, sofri a primeira perda em minha vida com a morte do meu avô, que nos deixou o lindo sítio onde moro. Poucos anos depois começaram as operações de ponte safena, que teriam salvo a vida dele. Desencontros... Na adolescência vieram outras viagens. Na formatura do Ensino Médio fomos à Bahia num ônibus só dos alunos... nem dá pra contar. Depois comecei a gostar de andar sozinho. Ia sozinho para o sítio e em 78 conheci Mauá, em plena expansão do movimento alternativo. Me impregnei da sua magia, muito diferente dos tempos no Repouso Maringá, que também frequentava ainda bem criança. Em 79 viajei para o mundo dos adultos, se é que dá pra dizer isso quando vamos morar sozinhos. Foi um ótimo ano numa casinha da Seropédica, que na verdade dividi com um amigo, muito amigo até hoje. Estudava Engenharia Florestal na Rural. No mesmo ano meu pai foi trabalhar na FAO, no Chile, e aí se abriram as portas desse universo que chamo de América Latina.

sábado, 4 de abril de 2009

Primeiro post: O começo da viagem é mistério

Comecei escrevendo sobre viajar, viagem, via. Quando minha madrinha no blog leu disse que não era nada disso, que primeiro eu tinha que me apresentar, que afinal primeiro post é primeiro post. Então, lá vai:

Empreendedor social da Ashoka, gestor ambiental e jornalista. Morador e amante das montanhas e das florestas. Amigo e parte da Natureza. Dirijo a ONG Crescente Fértil, participo da mobilização nacional pelos Ecossistemas de Montanha, sou um dos fundadores da Rede Andino-atlântica de Ação pelas Montanhas. Dirigi o órgão ambiental de Resende, de 1993-96 e de 2006-08.

Este blog nasce para relatar uma viagem que não tem data de partida. Mas provavelmente já começou.

A viagem começa pela busca do caminho. Via, segundo http://michaelis.uol.com.br/, é o caminho ou estrada por onde se vai de um ponto a outro; nome dos grandes caminhos construídos pelos romanos; lugar por onde se vai ou se é levado; direção, linha; rumo, direção, derrota, rota ; meio, modo, método, sistema. Astrologicamente, via láctea: nebulosa que forma uma larga faixa esbranquiçada que em noites escuras se vê no céu e que abrange quase um círculo máximo da esfera celeste; caminho de São Tiago; via sacra, vias de fato, via pública, via de regra, segunda via.

O começo da viagem é mistério. Pode ser na decolagem, no embarque, no primeiro passo. Esta via começou ontem, quando compartilhei minha decisão aos amigos, vizinhos em nossa América Latina:

"Ayer me paso algo curioso… En viaje para una reunión del consejo de la sierra Mantiqueira, no lejos (100kms), por 3 veces me perdí por una ruta super conocida. Mientras volvía y me perdía una vez más, me impregnaba de la sensación de viajar, del constante cambiar de paisajes, de la conciencia de nuestro tamaño en el mundo y del tamaño de todo. Tenía la sensación de parto, como si me naciera desde la mente una motivación muy fuerte para hacer algo que pudiera significar algo nuevo.

Fue en este tramo de la ruta (y de mi vida) que decidí realizar un proyecto que lo tengo calentado hace años y me parece que llego el momento de organizarlo concretamente. Es un viaje en auto por america latina, desde acá, visitando proyectos socio ambientales en montaña o que estén por el camino. Todavía hay que madurar algunos puntos, pero la idea central es documentar, divulgar y contribuir para la integración de iniciativas socioambientales en desarrollo, con una mirada más específica en la percepción de la gente acerca del cambio del clima en sus lugares. El recorrido va depender, en parte, de las posibilidades de hospedaje solidario que venga a encontrar, pero imagino que emprendedores sociales me reciben sin problema, sobretodo si es para documentar su trabajo."


Este blog acaba de nascer. Nele pretendo relatar os próximos passos. O percurso inclui estradas de asfalto, de terra, trilhas, sonhos, pensamentos e caminhos do coração. Acompanhe e participe.